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O Brasil está distante de um novo Fundeb capaz de consagrar o direito à educação

20/02/2020 | Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende alterações em substitutivo à PEC 15/2015

 

Posicionamento Público
O Brasil está distante de um novo Fundeb capaz de consagrar o direito à educação

Brasil, 20 de fevereiro de 2020.

Posicionamento público sobre o substitutivo da Dep. Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, que dispõe sobre o Fundeb permanente - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação. O texto foi apresentado em 18 de fevereiro na Comissão Especial da Câmara dos Deputados dedicada à matéria.

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera urgente a aprovação do novo Fundeb, mas manifesta discordância com três pontos estruturais do substitutivo de autoria da deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO).

Objetivamente, o novo Fundeb deve ser 1) capaz de universalizar o direito à educação, 2) valorizar os educadores, 3) melhorar as condições de ensino-aprendizagem nas escolas públicas de educação básica, 4) promover justiça federativa e 5) consagrar o princípio da exclusividade de aplicação de recursos públicos em escolas públicas.

Em razoável medida, a minuta apresentada pela relatora da matéria em 18 de setembro de 2019 correspondia a essas demandas educacionais históricas. Contudo, o relatório lido na Comissão Especial do Fundeb no dia 18 de fevereiro de 2020 apresenta graves recuos.

Em primeiro lugar, a complementação da União proposta no relatório é insuficiente e maquiada. Em uma leitura desatenta do texto, parece uma boa medida: duplicar os recursos federais aplicados no Fundeb e dedicados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). MDE é um conceito instituído no Art. 212 da Constituição Federal e regulamentado pelo Art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em poucas palavras, MDE determina o que pode ser contabilizado como despesas educacionais dedicadas ao ensino. Se a duplicação dos recursos federais no Fundeb – portanto, em MDE – fosse um fato real, o relatório traria uma boa notícia, pois a complementação da União sairia do atual patamar de 10% para 20%.

Porém, ao incorporar o Salário Educação à complementação da União ao Fundeb, o relatório realiza, na prática, uma maquiagem, fruto de reunião liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

O Salário Educação é destinado, conforme os parágrafos 5º e 6º do artigo 212 da Constituição Federal, como fonte adicional de recursos, mas é essencial ao acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes. Assim, o objetivo dessa contribuição social é garantir o financiamento a despesas imprescindíveis, mas não cobertas pela manutenção e desenvolvimento do ensino, como é caso dos programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

Desse modo, caso seja aprovado o substitutivo conforme a redação de 18 de fevereiro, o que irá ocorrer é uma utilização de recursos de programas essenciais à participação da União no sistema de fundos, desresponsabilizando ainda mais o Governo Federal com o financiamento adequado da educação básica.

Com isso, o texto coloca em risco orçamentário programas essenciais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate). A consequência prática é que Estados e Municípios terão que utilizar os recursos do próprio Fundeb para custear programas hoje financiados diretamente pelo Salário Educação, neutralizando assim o potencial de ampliação da complementação ao Fundeb. Em outras palavras, as redes públicas permanecerão asfixiadas e os estudantes da educação básica pública continuarão sendo prejudicados.

Embora a relatora e consultores legislativos justifiquem que o texto cria um anteparo aos programas suplementares, sabe-se que ele não é seguro, tampouco suficiente. Portanto, para a consagração do direito à educação, é preciso que a complementação da União seja feita com recursos novos, sem incorporar o Salário Educação. E isso é possível com prioridade orçamentária, utilização de receitas petrolíferas e destinação adequada das sobras oriundas da perversa Emenda à Constituição 95/2016, que estabeleceu o draconiano teto dos gastos públicos federais até 2036.

Em segundo lugar, no relatório, a imprescindível constitucionalização do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) está pautada na temerária expressão “condições indispensáveis de oferta”. Sem qualquer base técnica e jurídica, a expressão – em vez de colaborar – desqualifica e contradiz o conceito constitucional de padrão mínimo de qualidade, determinado pela Emenda à Constituição 14/1996, que instituiu o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério).

A questão aqui é bastante simples: “condições indispensáveis de oferta” institucionalizará a precarização, pois determinará que as escolas públicas podem funcionar apenas com o irrisório: lousa, giz e professor, por exemplo. Novamente os conceitos da LDB são ignorados. No inciso IX do art. 4º, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que é dever do Estado garantir: “X - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”.

Além disso, o relatório ignora o convencionado pelas estratégias 20.6, 20.7, 20.8 e 20.10 da Lei 13.005/2014, que estabeleceu o Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo a lógica do PNE, o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) corresponde à demanda do inciso VII do art. 206, que determina como princípio do ensino a “garantia de padrão de qualidade”. O Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) corresponde ao padrão mínimo de qualidade do art. 211. Portanto, o Fundeb deve trabalhar sob a égide do CAQi. Sobre esse tema, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação publicou em 2018 o livro “CAQi e CAQ no PNE: quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil”, disponível on-line.

Considerando que em pleno século 21 o Brasil tem escolas públicas de educação básica sem acesso a água potável, luz e tratamento de água e esgoto, escolas privadas de alto padrão permanecerão ofertando professores bem remunerados, com boa formação inicial e continuada, número adequado de alunos por turma, Internet banda larga, biblioteca, laboratórios de ciências e informática, quadra poliesportiva coberta, etc.

Nesse contexto, caso a menção ao CAQ não seja corrigida, o texto desrespeitará os princípios constitucionais da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, garantia de padrão de qualidade e participação da União para a consagração federativa do padrão mínimo de qualidade na educação (art. 206, inciso I e VII e art. 211, parágrafo primeiro da Constituição Federal).

O sistema Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ), instituído no Plano Nacional de Educação, é o melhor caminho para corrigir as desigualdades e determinar condições adequadas para oferta do ensino. Vale dizer que o CAQ vem sendo desconstruído e atacado, segundo informação obtida no relatório da deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) pelos/as parlamentares: Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES), Thiago Mitraud (Novo-MG), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Raul Henry (MDB-PE) e Professor Israel Batista (PV-DF); além deles, também não querem a constitucionalização do CAQ os Ministérios da Educação e da Economia do Governo Bolsonaro, e a ONG “Todos’ Pela Educação”. Com isso, compõe-se uma aliança tácita contra a universalização de escolas públicas capazes de garantir o processo de ensino-aprendizagem.

Em terceiro lugar, em vez de avançar na linha da verdadeira equidade, o relatório cede à pressão de parlamentares comprometidos com a reforma empresarial da educação e decide transferir recursos para redes públicas por meio da aferição de desempenho dos estudantes. No mundo todo, isso resultou em maior desigualdade entre redes e escolas públicas. Como solução para amenizar esse efeito, o texto constitucionaliza o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), instituído no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) por proposição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), sediado na Universidade de Campinas. Contudo, caso seja mantido esse mecanismo antipedagógico para distribuição de recursos do Fundeb, é preciso aprimorar a redação do substitutivo, vedando que redes públicas com maior arrecadação e, portanto, com maior capacidade de avançar nas avaliações de larga escala, não sejam ainda mais privilegiadas.

Ainda sobre a remuneração por desempenho, considerando que o debate público deve fazer uso da melhor Ciência e das evidências, vale observar as conclusões do livro “Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação”, escrito por Diane Ravicht, pesquisadora, gestora educacional, historiadora da educação, analista de políticas educacionais e professora de pesquisa na Escola Steinhardt de Cultura, Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Nova York (NYU). Ravicht faz uma contundente autocrítica às reformas danosas que ela mesmo ajudou a implementar nos Estados Unidos da América e que prejudicaram a consagração do direito à educação naquele país. 
Também apresenta críticas a esse tipo de medida o “Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2017” produzido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Após analisar as políticas educacionais de mais de 200 países, a UNESCO concluiu que esse tipo de método está sendo mal utilizado, prejudicando o alcance dos objetivos do direito à educação: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, segundo o art. 205 da Constituição Federal de 1988.

O Fundeb como sistema de distribuição de recursos capaz de garantir o direito à educação pública de qualidade para todas e todos está em risco e a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação permanecerá em luta e a favor de um “Fundeb pra Valer!”, com verdadeira equidade e dedicado a consagrar a educação como direito e não como privilégio.

A rede também manifesta seu reconhecimento aos esforços realizados até aqui pelos parlamentares Bacelar (Podemos-BA), Danilo Cabral (PSB-PE), Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), Idilvan Alencar (PDT-CE) e Profa. Rosa Neide (PT-MT), que compõem a Mesa da Comissão Especial do Fundeb. Não obstante, reitera que é dever de todas e todos parlamentares fazerem jus ao seu mandato constitucional e trabalharem em prol dos direitos sociais, o que contempla a consagração do direito à educação.

Como rede da sociedade civil dedicada ao fortalecimento da democracia, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação permanecerá em seu contínuo exercício cidadão de pressão sobre as autoridades e de controle social, pautada em argumentos técnicos e proposição de alternativas.

Graças a essa postura e sempre agindo politicamente com lealdade, a rede produziu dois documentos fundamentais para amenizar retrocessos ainda mais graves no novo Fundeb, além apresentar caminhos para avanço na matéria.

O primeiro foi a Nota Técnica “Novo Fundeb: em nome de um consenso que promova o direito à educação”, publicado em junho de 2019 e apresentado em Reunião Técnica realizada no dia 3 de julho de 2019 com parlamentares e consultores legislativos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – em sessão demandada pela deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) e presidida pelo deputado Bacelar (Podemos-BA). O segundo foi o estudo “O sistema híbrido e o direito à educação: acesso e qualidade”, apresentado em audiência pública na Comissão Especial na Câmara dos Deputados, realizada no dia 1 de outubro de 2019.

Diante de todo o exposto e considerando que o texto ainda tem de ser aperfeiçoado na Câmara dos Deputados, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende a urgência na votação do relatório, desde que sejam feitas as três imprescindíveis alterações ao substitutivo aqui apresentadas.

Assina o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:

Ação Educativa
ActionAid
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)

Fonte: Campanha Nacional pelo Direito à Educação

 

(Atualizado em 21/02/2020, às 9h51)